Xbox 720 e o futuro dos videojogos

Quem me conhece sabe que não gosto muito de fazer futurologia. Quando se especula sobre o futuro no mundo da tecnologia, a margem para errar é muito grande. E, pior do que isso, as pessoas são mais frequentemente lembradas pelos erros de previsão do que por estarem certas.
Mas hoje decidi abrir uma excepção, ao ler este artigo, mais um sobre o que poderá ou não ser a próxima geração da consola de jogos da Microsoft, conhecida por Xbox 720, embora seja praticamente garantido que o nome oficial será outro (a ideia, claro, é que 720 é o dobro de 360 - mas a lógica do 360 tem a ver com 360º, no sentido de que a Microsoft pretende que se trate de um equipamento capaz de fazer o pleno em termos de entretenimento doméstico, pelo que "720" faria pouco sentido).

Nesta altura não é muito relevante saber se o documento a que o artigo do ArsTechnica faz referência é ou não genuíno, embora eu suspeite que é (mas não, apesar de ter boas fontes na Microsoft, não sei mais do que vocês sobre isto). O que é interessante é que o artigo aponta caminhos extremamente curiosos para o que poderá ser a(s) próxima(s) geração de consolas - e não necessariamente apenas para os lados da Microsoft.

Há dois pontos no documento que me fizeram "clicar" e que levaram a resolver escrever isto, porque merecem de facto a nossa atenção e que o artigo do ArsTechnica não explora devidamente, eventualmente por não os considerar interligados. Mas eu acho que estão. Refiro-me ao processamento na nuvem e ao preço: $299 parece de facto muito pouco, mas eu acho que poderá mesmo ser isso, ou perto disso. Vou tentar explicar porquê.

Consolas vs. PCs

Para percebermos melhor o que está em causa vale a pena pensarmos um pouco sobre o que distingue uma consola de um computador no que diz respeito à sua capacidade de correr jogos. O mais importante é perceber que há lógicas inversamente proporcionais em cada uma das plataformas, o que leva também a diferentes modelos de negócio.
E a principal diferença é esta: quando tomamos o período normal de vida de uma consola (que é de cerca de 5 anos, embora a Xbox actual tenha já 7 anos e irá durar pelo menos mais um), temos um equipamento que no início da sua vida está no topo da tecnologia, especialmente em termos de processamento gráfico, e cujas capacidades técnicas ser irão manter inalteradas ao longo desse período enquanto o preço irá baixando. Aliás, o habitual é que o fabricante da consola perca efectivamente dinheiro no primeiro ano (o que é compensado com a venda de software) e que só depois o recupere.
Pelo contrário, no mesmo período, o que irá acontecer é que um computador que custa hoje 500 euros e tem um determinado nível de desempenho, daqui a cinco anos custará os mesmos 500 euros mas oferecerá um nível de processamento muito superior.
Há ainda outra diferença, e que permite que o negócio das consolas (e de vender videojogos para consolas) seja melhor do que do lado dos PCs, e que é o facto de que qualquer empresa (ou até indivíduo) pode criar um jogo para PC, sem ter de pagar por isso a ninguém, enquanto que os fabricantes de consolas - todos eles, não apenas a Microsoft - cobram licenças aos editores e ganham dinheiro por cada jogo vendido para a sua consola, mesmo que tenham sido outros a criá-lo.
Apesar disso, os editores preferem de uma maneira geral criar jogos para consolas porque podem cobrar mais (embora uma parte vá para o fabricante da plataforma) e podem cobrar mais porque é mais difícil copiar jogos para consolas. Ou seja, cobram mais, porque podem...

O futuro das consolas

O artigo do ArsTechnica e o documento a que é feita referência aponta diversas pistas para o que poderá vir a ser o futuro, não apenas da consola da Microsoft, mas dos videojogos em geral.
Claro que a próxima geração de consolas (estou a referir-me às da Sony e da Microsoft, sobretudo; a próxima geração Nintendo chega este ano e tem como objectivo um nível de desempenho semelhante à geração actual da concorrência, até porque parte de uma base - a Wii - que é muito menos potente) vai ser mais potente, mais flexível, mais "ligada".
Mas uma das possibilidades que considero mais interessantes, e que é apontada no documento para uma hipotética segunda geração da Xbox 720, é o do processamento na nuvem. A ideia, que não é nova, é a de que uma parte do processamento da consola seja feito na nuvem, que é como quem diz, nos centros de dados da Microsoft, criados para suportar serviços empresariais mas que são facilmente escaláveis.
Isto levanta possibilidades muito interessantes e que alteram completamente o modelo de negócio das consolas tal como o conhecemos até hoje. E altera como? No preço, na capacidade de processamento ao longo do tempo, e na forma de comercialização do produto.
Porque é que nos é possível pensar num price point de apenas $299 para uma consola de próxima geração? Porque uma das possibilidade é que parte da sua capacidade de processamento seja baseada na nuvem, o que permitiria custos inferiores na consola propriamente dita.
Há outra razão pela qual isto é credível é que está já a acontecer com a actual Xbox 360: olhar para a consola como um pacote integrado com serviços online. É isso mesmo que a Microsoft começou já a fazer este ano, a nível experimental nalgumas regiões dos EUA, vendendo a consola a apenas $99 mas com um custo de "assinatura" que inclui o serviço online Xbox Live - um modelo de negócio semelhante ao dos telemóveis, em que o custo do terminal é subsidiado em troca de uma assinatura mensal de serviços.
Não será difícil pensarmos que este modelo possa ser usado não apenas para serviços online adicionais, mas para capacidade de processamento adicional que está algures do outro lado de uma ligação à Internet.
Caso a Microsoft (e/ou a Sony) avance neste sentido, isto terá outro efeito: o ciclo de vida das consolas será escalado quase indefinidamente, uma vez que aumentar a capacidade de processamento do lado da nuvem é algo trivial e que pode acontecer mantendo o equipamento terminal.

Irá tudo isto acontecer já na próxima geração de consolas? Talvez sim, talvez não. Mas sinto-me bastante confiante ao olhar ainda mais para além e fazer futurologia de longo prazo, dizendo que será provavelmente esse o caminho a seguir nas gerações a seguir à próxima.

P.S.: O documento aponta também caminhos interessantes a outros níveis, que eu não abordei neste contexto, nomeadamente o facto de o hardware poder ser baseado em chips ARM. O que significa provavelmente que o sistema operativo será uma versão costumizada do Windows 8, ou mais exactamente, do Windows RT.

Comentários

Eduardo Santos disse…
O futuro das consolas passará sem dúvida pelo cloud, desde que se ultrapassam as dificuldades relativas ao "lag", ao tempo de resposta desde que o jogador carrega no botão, essa informação é enviada para os servidores, processada lá, e enviada de novo para o aparelho do jogador. Esta questão é que vai decidir tudo entre o cloud e o local.

Mas talvez as consolas não evoluam da maneira que indica, já que em último caso, o cloud gaming põe em risco a própria existência das consolas. As principais concorrentes da Sony no mercado das TVs já estão a preparar parcerias que lhes permitem a distribuição de videojogos através de cloud, sem necessidade de consolas. A Sony, cuja saúde financeira se diz não ser a melhor, tendo perdido dinheiro com a PS3 e estando algo aflita no sector das TVs, tem de arranjar maneira de combater esta nova competição, que a atinge em dois pontos vitais do seu negócio. Será que juntará as áreas, e as consolas do futuro (talvez não já as próximas) serão apenas TVs? Seria uma estratégia difícil de implementar, pois teria de conseguir impôr as suas TVs ao público da PlayStation, e que este abdicasse das marcas da concorrência. Mas por outro lado, a marca PlayStation tem muito peso e mercado, pelo que não me espantava que a Sony arranjasse uma "TVStation", com a futura Playstation (ou melhor, sem precisar dela), vendendo a consola também em separado. Porque o tal centro de conteúdos que a Xbox diz querer ser, também pode ser conseguido apenas com a TV... Talvez daí a sua aposta em hardware alternativo como o Kinect...

A ser utilizado o modelo da cloud, os 299 dolares parecem-me caríssimos. Basta ver por exemplo o serviço OnLive, cujo receptor fica por 99 dolares, salvo erro. Tudo dependerá então do serviço proporcionado, não propriamente do Hardware. Aliás, é o serviço e não o hardware que faz a Xbox conseguir ter milhões de jogadores a pagar-lhe uma "renda" de 60€ por ano com o Xbox Live. Mas aqui levantam-se vários problemas. A distribuição de conteúdos do Live é muito limitada fora dos EUA. Creio até que o Live ainda não está disponível em todos os países relevantes, ainda há relativamente pouco tempo é que ficou disponível no Brasil. Com uma distribuição de conteúdos tão díspare, mantendo um preço igual para todos, a Xbox poderá enfrentar dificuldades, principalmente na Europa.

E depois a realidade que há que enfrentar: Apesar de esta ter sido a geração que generalizou a ligação das consolas à Internet, uma percentagem ainda muito alta das pessoas ainda não ligam as suas consolas à Internet, não possuem Internet de banda larga em casa, ou com tráfego suficiente para descargas massivas de informação. Assim, uma distribuição cloud é pouco viável por agora. Talvez seja introduzida a nível opcional na próxima geração de consolas.

Isto porque é um modelo de negócio muito tentador. Os jogos deixam de ser um produto para ser um serviço. Já não seriam precisos múltiplos distribuidores do produto físico, havendo apenas um monopólio no fornecimento do serviço directamente pela Sony e Microsoft. Não haveria produtos para escoar, que obrigam a baixar os preços, nem vendas de jogos em segunda mão, etc, era tudo controladinho, aos preços que "quisessem". Claro que isto só aconteceria se os jogadores tivessem um motivo para continuar na PlayStation ou Xbox, que não sei qual seria. Felizmente aí surgiriam facilmente modelos alternativos de distribuição. Por isso é algo que a Microsoft e a Sony têm de analisar com extremo cuidado.

Do ponto de vista do jogador, acho não lhe traz grandes benefícios, e será o mais reticente em relação a tudo isto. Os jogadores gostam de coleccionar os jogos, de os ter na prateleira, de os comprar e vender em segunda mão, de comprar pechincas, se guardar as recordações. Com a distribuição digital, nada disso acontece...
Eduardo Santos disse…
(Cont)

Mas enfim, como em todas as gerações de consolas, os assuntos mais discutidos sobre o seu futuro acabam muitas vezes por se mostrar pouco relevantes, no futuro delas. Basta ver o HD-DVD vs Bluray, Playstation Home, enfim. Há que voltar ao início e focar de novo no essencial: os jogos e os jogadores. Quem tiver os melhores jogos e melhor servir os jogadores, será quem vencerá.

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