Vamos deixar isto claro desde o início: a Microsoft está metida num terrível sarilho e o problema - ao contrário do que muitos dizem, ou gostam de insinuar - não está na sua falta de capacidade de inovação. Está, receio bem dizê-lo, na falta de mindshare.
A ironia é que, ao longo dos anos, a Microsoft foi a rainha do mindshare, mesmo em momentos em que não o merecia. E hoje, que o merece, não o tem.
O mesmo aconteceu com a Nokia nos últimos anos. Quando as revistas da especialidade (e as generalistas) começaram a publicar comparativos entre o iOS e o Android e, só por descargo de consciência, incluiam o WindowsPhone mas ignoravam o Symbian, a Nokia devia saber que estava metida num sarilho.
Talvez "sarilho" não seja o termo certo (embora não ignore que o destino da sua plataforma Windows Phone está absolutamente ligada à capacidade da Nokia em se reinventar), mas dois eventos recentes levam-me a supor que há muito a fazer para os lados de Redmond. Vamos então por partes.
Windows 8
O Windows 8 foi apresentado oficialmente na passada semana. É "só" a versão mais importante do Windows desde o lançamento do Windows 95, há mais de 15 anos. É "apenas" a mudança total de paradigma na forma como mais de mil milhões de pessoas em todo o mundo usam os computadores. É a primeira vez, depois das tentativas falhadas como o Windows NT, que a Microsoft lança um sistema operativo capaz da correr mesma forma em plataformas x86 (Intel) bem como em chips ARM, mais adequados a dispositivos móveis.
Mais: com o Windows 8 será criada uma plataforma de desenvolvimento de aplicações completamente nova que resolverá o potencial problema criado pelo facto de o Windows 8 correr sobre dois chips complementamente diferentes e incompatíveis entre si, permitindo que o mesmo software corra da mesma forma sobre qualquer uma das versões.
Ainda melhor: esta era a peça que faltava para a "estratégia dos 3 ecrãs" anunciada há um ano e que, até agora, ainda não tinha sido possível entender como seria concretizada.
Em circunstâncias normais, que é como quem diz, há apenas dois ou três anos, as repercussões de um anúncio deste tipo teriam sido enormes. E, não haja dúvidas, elas são enormes.
Mas não estamos a operar sob circunstâncias normais. Estamos num mundo em que cada vez interessa menos a tecnologia pela tecnologia, mas sim o que fazemos com ela. E, no limite, interessa mais a forma do que o conteúdo. A razão pela qual isto acontece seria tema para muito mais linhas do que aquelas que hoje tenho tempo para escrever. Mas basta por agora aceitarmos as coisas como elas são.
iCloud
A Apple é, neste momento, a rainha do mindshare. Qualquer coisa, por insignificante que seja, que a empresa de Steve Jobs crie (ou, anuncie, ou apenas sugira...) torna-se imediatamente motivo de manchetes de jornal ou até de abertura de noticiários na rádio ou na TV.
Contudo, esta semana, o esperado anúncio da plataforma iCloud foi tudo menos insignificante. Trata-se de uma iniciativa importante e que dá consistência e complementa a estratégia da Apple. No entanto, como alguns já salientaram, não estamos perante algo de fundamentalmente revolucionário. Contudo, o estado de graça em que a Apple vive actualmente faz com que isso seja irrelevante: outros podem anunciar o mesmo meses antes, mas não se torna significativo até que a Apple o anuncie. E, a partir do momento que o faz, a Apple surge como a real inovadora nesse campo - qualquer que seja.
Na verdade, praticamente tudo o que a Apple anunciou com o iCloud encontra-se já disponível em serviços como o Live Mesh ou até mesmo o Amazon Cloud Player. O que distingue a oferta da Apple não é a tecnologia mas duas outras coisas: a execução (que é tão ou mais importante do que a tecnologia em si) e... o facto de ser a Apple.
Não é apenas a Apple que beneficia de mindshare. A Google é outra empresa que se pode orgulhar de beneficiar do mesmo estado de graça. E, em ambos os casos, é preciso admitir que estamos na presença de empresas com tecnologia e capacidade de inovação impressionantes (embora eu, de vez em quando, goste de atirar umas provocações e sugerir o contrário).
Contudo, o problema não é (só) esse. O problema, neste caso, o problema para a Microsoft, é que a esta percepção positiva de empresas como a Apple e a Google, há um contraponto de percepção negativa relativamente à Microsoft. Pior, uma percepção de que tudo o que a Microsoft faz é irrelevante. O que é tanto mais estranho quanto estamos a falar de uma empresa cuja tecnologia, directa ou indirectamente, nos toca a todos, diariamente.
Windows 8 à parte, porque só será efectivamente lançado em 2012, um caso gritante é o WindowsPhone 7. Estamos a falar num sector em que a Apple claramente inovou e, ao fazê-lo, mudou o paradigma da interface dos telemóveis. A seguir, a Google lança o Android que é, a todos os níveis, um clone do iOS. A Microsoft demora a reagir (o WindowsPhone 6.5 é absolutamente patético quer no que oferece, quer no timing com que foi lançado) mas quando o faz, com o WindowsPhone 7, fá-lo de forma espectacular. Na verdade, tanto ou mais espectacular como a Apple o fez anteriormente com o iPhone, no sentido em que volta a mudar o paradigma da interface, libertando-a da lógica compartimentada das Apps e repensando efectivamente a forma como usamos os terminais móveis.
Muitos (eu incluído) acharam que tudo iria mudar rapidamente com o WindowsPhone7. Mas, no espaço de um ano, praticamente nada mudou. Pior: os OEMs que, em 2010, se alinharam por detrás da Microsoft no apoio à sua nova plataforma, apostaram sobretudo nos terminais com Android e nunca criaram massa crítica para a nova plataforma. Nesse sentido, a nova versão do WindowsPhone 7 e, especialmente, o acordo entre a Microsoft e a Nokia (que irá apostar em exclusivo no WP7) poderá mudar tudo - ou nada, caso a Nokia não execute a estratégia de forma eficaz e se torne inexoravelmente irrelevante.
Onde é que eu quero chegar com tudo isto? Na verdade, a lado nenhum. É mais um desabafo, a sistematização de uma série de constatações: que a execução vale tanto ou mais do que a tecnologia (o que, em si mesmo, não é mau); que um rumor para os lados da Apple tem mais impacto mediático do que o anúncio de um produto da Microsoft; que, no final, tudo se resume a mindshare... E mindshare não é algo que se crie - ou recupere - de um momento para o outro.
Mas claro que nada disto invalida que o Windows 8 será o produto mais importante dos últimos 15 anos, não apenas para a Microsoft, mas para milhões de pessoas em todo o mundo.
Update: Se ainda tem dúvidas sobre a diferença entre verdadeira inovação e mindshare então vale a pena ver isto e isto.
A ironia é que, ao longo dos anos, a Microsoft foi a rainha do mindshare, mesmo em momentos em que não o merecia. E hoje, que o merece, não o tem.
O mesmo aconteceu com a Nokia nos últimos anos. Quando as revistas da especialidade (e as generalistas) começaram a publicar comparativos entre o iOS e o Android e, só por descargo de consciência, incluiam o WindowsPhone mas ignoravam o Symbian, a Nokia devia saber que estava metida num sarilho.
Talvez "sarilho" não seja o termo certo (embora não ignore que o destino da sua plataforma Windows Phone está absolutamente ligada à capacidade da Nokia em se reinventar), mas dois eventos recentes levam-me a supor que há muito a fazer para os lados de Redmond. Vamos então por partes.
Windows 8
O Windows 8 foi apresentado oficialmente na passada semana. É "só" a versão mais importante do Windows desde o lançamento do Windows 95, há mais de 15 anos. É "apenas" a mudança total de paradigma na forma como mais de mil milhões de pessoas em todo o mundo usam os computadores. É a primeira vez, depois das tentativas falhadas como o Windows NT, que a Microsoft lança um sistema operativo capaz da correr mesma forma em plataformas x86 (Intel) bem como em chips ARM, mais adequados a dispositivos móveis.
Mais: com o Windows 8 será criada uma plataforma de desenvolvimento de aplicações completamente nova que resolverá o potencial problema criado pelo facto de o Windows 8 correr sobre dois chips complementamente diferentes e incompatíveis entre si, permitindo que o mesmo software corra da mesma forma sobre qualquer uma das versões.
Ainda melhor: esta era a peça que faltava para a "estratégia dos 3 ecrãs" anunciada há um ano e que, até agora, ainda não tinha sido possível entender como seria concretizada.
Em circunstâncias normais, que é como quem diz, há apenas dois ou três anos, as repercussões de um anúncio deste tipo teriam sido enormes. E, não haja dúvidas, elas são enormes.
Mas não estamos a operar sob circunstâncias normais. Estamos num mundo em que cada vez interessa menos a tecnologia pela tecnologia, mas sim o que fazemos com ela. E, no limite, interessa mais a forma do que o conteúdo. A razão pela qual isto acontece seria tema para muito mais linhas do que aquelas que hoje tenho tempo para escrever. Mas basta por agora aceitarmos as coisas como elas são.
iCloud
A Apple é, neste momento, a rainha do mindshare. Qualquer coisa, por insignificante que seja, que a empresa de Steve Jobs crie (ou, anuncie, ou apenas sugira...) torna-se imediatamente motivo de manchetes de jornal ou até de abertura de noticiários na rádio ou na TV.
Contudo, esta semana, o esperado anúncio da plataforma iCloud foi tudo menos insignificante. Trata-se de uma iniciativa importante e que dá consistência e complementa a estratégia da Apple. No entanto, como alguns já salientaram, não estamos perante algo de fundamentalmente revolucionário. Contudo, o estado de graça em que a Apple vive actualmente faz com que isso seja irrelevante: outros podem anunciar o mesmo meses antes, mas não se torna significativo até que a Apple o anuncie. E, a partir do momento que o faz, a Apple surge como a real inovadora nesse campo - qualquer que seja.
Na verdade, praticamente tudo o que a Apple anunciou com o iCloud encontra-se já disponível em serviços como o Live Mesh ou até mesmo o Amazon Cloud Player. O que distingue a oferta da Apple não é a tecnologia mas duas outras coisas: a execução (que é tão ou mais importante do que a tecnologia em si) e... o facto de ser a Apple.
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Não é apenas a Apple que beneficia de mindshare. A Google é outra empresa que se pode orgulhar de beneficiar do mesmo estado de graça. E, em ambos os casos, é preciso admitir que estamos na presença de empresas com tecnologia e capacidade de inovação impressionantes (embora eu, de vez em quando, goste de atirar umas provocações e sugerir o contrário).
Contudo, o problema não é (só) esse. O problema, neste caso, o problema para a Microsoft, é que a esta percepção positiva de empresas como a Apple e a Google, há um contraponto de percepção negativa relativamente à Microsoft. Pior, uma percepção de que tudo o que a Microsoft faz é irrelevante. O que é tanto mais estranho quanto estamos a falar de uma empresa cuja tecnologia, directa ou indirectamente, nos toca a todos, diariamente.
Windows 8 à parte, porque só será efectivamente lançado em 2012, um caso gritante é o WindowsPhone 7. Estamos a falar num sector em que a Apple claramente inovou e, ao fazê-lo, mudou o paradigma da interface dos telemóveis. A seguir, a Google lança o Android que é, a todos os níveis, um clone do iOS. A Microsoft demora a reagir (o WindowsPhone 6.5 é absolutamente patético quer no que oferece, quer no timing com que foi lançado) mas quando o faz, com o WindowsPhone 7, fá-lo de forma espectacular. Na verdade, tanto ou mais espectacular como a Apple o fez anteriormente com o iPhone, no sentido em que volta a mudar o paradigma da interface, libertando-a da lógica compartimentada das Apps e repensando efectivamente a forma como usamos os terminais móveis.
Muitos (eu incluído) acharam que tudo iria mudar rapidamente com o WindowsPhone7. Mas, no espaço de um ano, praticamente nada mudou. Pior: os OEMs que, em 2010, se alinharam por detrás da Microsoft no apoio à sua nova plataforma, apostaram sobretudo nos terminais com Android e nunca criaram massa crítica para a nova plataforma. Nesse sentido, a nova versão do WindowsPhone 7 e, especialmente, o acordo entre a Microsoft e a Nokia (que irá apostar em exclusivo no WP7) poderá mudar tudo - ou nada, caso a Nokia não execute a estratégia de forma eficaz e se torne inexoravelmente irrelevante.
Onde é que eu quero chegar com tudo isto? Na verdade, a lado nenhum. É mais um desabafo, a sistematização de uma série de constatações: que a execução vale tanto ou mais do que a tecnologia (o que, em si mesmo, não é mau); que um rumor para os lados da Apple tem mais impacto mediático do que o anúncio de um produto da Microsoft; que, no final, tudo se resume a mindshare... E mindshare não é algo que se crie - ou recupere - de um momento para o outro.
Mas claro que nada disto invalida que o Windows 8 será o produto mais importante dos últimos 15 anos, não apenas para a Microsoft, mas para milhões de pessoas em todo o mundo.
Update: Se ainda tem dúvidas sobre a diferença entre verdadeira inovação e mindshare então vale a pena ver isto e isto.
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