Taxis vs Uber: Só os paranóicos sobrevivem *




No final dos anos 90, o recentemente falecido CEO da Intel, Andy Grove, escreveu um livro chamado “Only the Paranoid Survive”.

O livro foi construído a partir dos ensinamentos que Grove retirou da dura transição da Intel de fabricante de memórias para fabricante de microprocessadores, nos anos 80. Hoje parece ter sido uma decisão óbvia, mas na altura foi tudo menos isso – sobretudo porque a Intel retirava a maioria dos seus rendimentos da produção de RAM e a aposta nos microprocessadores parecia um tiro no escuro.

Grove chama a estes momentos na vida de uma empresa “Pontos de Inflexão Estratégica”. Trata-se de um acontecimento que pode demorar mais ou menos tempo, mas quem tem sempre a mesma característica: se a empresa não se adaptar mais ou menos rapidamente às alterações dramáticas que estão a afetá-la (ou a todo o setor de atividade em que ela se insere) acabará por morrer.
Em décadas recentes, a aceleração tecnológica tem trazido consigo muitos destes Pontos de Inflexão Estratégica. Por exemplo, em 1995 muitos foram os que vaticinaram o rápido desaparecimento da Microsoft por esta não ter imediatamente percebido o impacto que a Internet iria ter (e teria mesmo desaparecido caso não tivesse conseguido adaptar-se rapidamente, mas isso são histórias para outro dia).

Em Portugal, o impacto da Internet fez-se sentir sobretudo sobre a empresa que então tinha o monopólio da prestação de serviços de telecomunicações, a Portugal Telecom. Mais: quando os primeiros ISPs independentes surgiram no mercado[1] não existia enquadramento legal para a sua atividade: a prestação de acesso à Internet era algo completamente novo (como os novos ISP pretendiam) ou podia ser enquadrada como um mero “serviço de telecomunicações”, como pretendia PT?

No final, sabemos o que aconteceu: o quadro legal teve de ser adaptado e, ao mesmo tempo que era permitida a entrada a novos operadores, a própria PT também soube adaptar-se e oferecer serviços competitivos. O resto é História.

Vem isto a propósito do atual conflito entre os taxistas e a Uber, a empresa que entrou no mercado com o cavalo de Tróia do “car sharing” e que hoje é muito mais do que isso. Aquilo a que estamos a assistir é ao desenrolar, ao vivo e em tempo real, de um “Ponto de Inflexão Estratégico” no setor dos transportes, neste caso particular, no dos táxis.

A ironia é que nem sequer é preciso ler livros de gestão para entender o que é preciso ser feito, nem ter uma boa de cristal para adivinhar o que irá ser feito (o enquadramento legal terá de ser alterado e a Uber, e empresas similares, irá mesmo entrar no mercado, legalmente). O que é preciso entender é isto: as regras mudaram – mesmo que as leis que as definem levem mais tempo a mudar – e a onda de mudança é inexorável.

Para o setor dos táxis, só há uma forma de sobreviver: mudar, e depressa. Como? Há já apps no mercado que fazem pelos taxistas o mesmo que a Uber faz pelos outros, mas para isso é preciso que o setor se organize e não se disperse, porque ninguém quer ter de usar uma infinidade de apps para chamar táxis – uma só chega.

Claro que o problema para os taxistas não é apenas encontrarem uma alternativa tecnológica à Uber; há problemas – sobretudo de (má) imagem – que não se resolvem de um momento para o outro e que os protestos de rua só contribuem para agravar.

Mas há uma coisa que eu sei: nesta como noutras situações, não vale a pena lutar contra ondas tecnológicas maciças. Porque, tal como na vida real, perante uma onda das grandes ou resolvemos surfá-la ou somos esmagados por ela.
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[1] Um dos primeiros foi a Esotérica. O nome, contava à Exame Informática um dos fundadores por volta de 1996, é que «quando íamos aos bancos pedir financiamento e tentávamos explicar o que era o negócio, respondiam-nos invariavelmente que “isso é um bocado esotérico…”»

* Este artigo foi originalmente publicado pelo autor em http://pplware.sapo.pt/informacao/taxis-vs-uber-so-os-paranoicos-sobrevivem/

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