A propósito do “escândalo” da partilha pelo Facebook de dados pessoais dos utilizadores, vale a pena irmos um pouco mais longe e perceber, muito provavelmente, que o verdadeiro problema… somos nós.
Photo de Nikita Belokhonov: https://www.pexels.com/photo/anonymous-hacker-with-on-laptop-in-white-room-5829726/
Por esta altura, quem lê estas linhas já
 deve estar a par das últimas notícias sobre o Facebook, relativamente à
 partilha de dados pessoais com uma empresa que os terá usado, entre 
outras coisas, para tentar interferir nos resultados das últimas 
eleições nos EUA. 
Não é exatamente sobre isso que pretendo
 escrever. Para se colocar a par do que se passou pode espreitar aqui.
 Mas leia também este artigo, do final de 2017, para perceber que nada 
disto é absolutamente novo. 
O que se passa é que vender os nossos dados pessoais é o negócio do Facebook – desde sempre. O “escândalo” de que se fala não
 se prende nem com algum “hack” (acesso não autorizado aos dados, feito 
através de alguma brecha de segurança) nem com o facto de o Facebook 
recolher os nossos dados (algo que consentimos explicitamente ao 
criarmos uma conta nesta rede social).
A “breach” (“brecha”, à letra) de que os
 media têm falado é, na realidade uma “breach of confidence”. O que foi 
quebrada não foi a segurança do sistema informático (embora isso possa 
ter acontecido anteriormente e noutras circunstâncias); o que foi 
quebrada foi a “confiança” que o Facebook tinha depositado em quem tinha
 garantido que não iria usar os dados para os efeitos que efetivamente 
usou e que os apagaria quando tal lhe foi pedido.
E claro que houve outra coisa que foi 
quebrada (e que agora Mark Zuckberg se apressa a tentar emendar): a 
confiança entre o Facebook e os seus utilizadores.
O cliente ou o produto
Mas vamos voltar aos que nos interessa. 
Como é que chegámos aqui? Bem, na realidade, a culpa de tudo isto é… 
nossa. E quando digo “nossa” digo que é minha, sua, de todos em geral e 
de ninguém em particular.
Porquê? Simples: porque nesta economia 
digital em que vivemos, ninguém quer pagar por nada. E como as coisas 
não são grátis (quanto é que pensa que custa manter e gerir a 
infraestrutura de TI necessária a manter o Facebook em funcionamento 24 
horas por dia, sete dias por semana, 365 dias do ano?), o pagamento em 
vez de ser feito diretamente – através de uma taxa de subscrição, por 
exemplo – é feito de forma indireta. Que, neste caso, significa “pagar” 
através do valor representado pelos nossos dados.
Na prática, também não tem de se 
preocupar demasiado, porque o Facebook e os seus clientes (não, o 
cliente não é você!, já lá irei) não querem tanto saber o nosso nome, 
morada e telefone, mas sim quais as nossas preferências e o nosso perfil
 demográfico – idade, género, profissão, preferências, área geográfica, 
escalão remuneratório...
Só para os mais distraídos é que isto é 
novidade. Há um velho adágio que diz que «na economia digital, se não és
 o cliente, és o produto». Isto, na melhor das hipóteses, porque por 
vezes somos ambos ao mesmo tempo!
Ora nós, utilizadores de redes sociais 
(e motores de busca, e sistemas de webmail, e de comércio eletrónico, 
e…) somos definitivamente o produto. O cliente, para o Facebook, são os 
seus anunciantes, os quais beneficiam do facto de o Facebook saber quem 
somos e do que gostamos, de forma a oferecer o melhor retorno possível 
face ao investimento em publicidade.
Na maioria dos casos, isso até beneficia
 os utilizadores – não prefere ver anúncios relevantes para si em vez de
 ser bombardeado, como na TV, com mensagens que não lhe interessam? É 
essa a principal diferença entre a publicidade veiculada pelos “velhos 
media” face à que nos é oferecida pelos canais digitais.

E a culpa é…
Mas voltemos à “vaca fria”. De quem é a 
culpa disto tudo? É fácil apontar o dedo ao Facebook, que efetivamente 
traiu a confiança de (tanto quanto se sabe) 50 milhões dos seus cerca de
 dois mil milhões de utilizadores. E sim, devemos preocupar-nos com isto
 e exigir, tanto quanto possível, que nada disto volte a acontecer.
Mas o problema com as redes sociais é 
que funcionam tanto melhor quanto mais de nós partilhamos com os outros.
 E somos nós que começamos por dar de mão beijada ao Facebook todos os 
dados que a empresa depois usa – idealmente para fins legais e 
legítimos.
Até podemos criar um perfil falso com um
 nome inventado e uma foto roubada de uma pesquisa do Google. Mas o 
Facebook não se importa. O que o Facebook pretende – e é isso que tem 
valor – é saber que a pessoa atrás desse perfil (mesmo que inventado!) 
tem preferência por determinadas marcas, certas inclinações políticas, 
gosta das marcas a, b ou c, etc. No final do dia, essa “pessoa”, seja 
ela real ou inventada por si, irá mesmo consumir ou adquirir algo e, 
para o Facebook e os seus clientes, é isso que interessa. É isso que tem
 valor.
Podemos ter uma conta no Facebook e 
evitar a recolha de dados sobre nós? Sim, se deixarmos de “gostar” de 
páginas, de fazer “likes” em posts de amigos e conhecidos, de 
responder a outros, se deixarmos de usar o Messenger, de criar (e ir a) 
eventos, se evitarmos responder a sondagens e “passatempos”, se não 
jogarmos... Ou seja: é possível ter uma conta no FB e evitar a recolha 
de dados se... praticamente não usarmos a conta para nada.
[veja o final deste artigo para saber o que pode realmente fazer para minimizar o que o Facebook sabe sobre si]
Porque a alternativa é... Bem, neste 
momento, alternativa ao Facebook não existe sequer. A “alternativa” é 
mesmo apagar a conta, caso estejamos a sentirmo-nos desconfortáveis 
sabendo aquilo que já devíamos saber, que é a inevitabilidade da 
recolha, tratamento e partilha de dados do Facebook com terceiros – 
sejam esses terceiros os seus anunciantes ou empresas de perfil duvidoso
 e intenções pouco transparentes.
No fundo, a alternativa a estar no 
Facebook desta forma é uma e só uma: pagar para usar. E ponha o dedo no 
ar quem gostaria de optar por essa opção... se existisse sequer.
E aqui temos outro problema: quanto 
custaria pagar por aquilo que agora é financiado pela publicidade, a 
qual por sua vez é paga ao Facebook por anunciantes que tiram partido do
 quanto a rede social sabe sobre nós? Muito mais do que pensa. Conheço 
uma empresa portuguesa que possui um website de elevado tráfego “pago” 
com banners de publicidade geridos pela Google. Ela já fez as 
contas e concluiu que mesmo cobrasse a todos os visitantes (ou até mesmo
 apenas uma parte deles) uma pequena taxa anual para acesso ao site sem 
publicidade ia perder dinheiro. E muito.
Não quero ser chato e concluir dizendo 
que não há nada fazer. Haver há, começando por efetivamente usar os 
controlos de privacidade do Facebook e evitando partilhar o que não 
queremos mesmo partilhar.
Mas já agora, não tranquem a porta 
deixando as janelas abertas: então e a Google? Ou ainda não perceberam o
 que significa estarem “logged in” para poderem aceder aos vossos 
“Favoritos” no Chrome em qualquer dispositivo? Ou manterem a conta do 
Gmail ligada enquanto fazem pesquisas? Ah, e ainda não perceberam também
 que o conteúdo do que têm no Gmail é usado para “targeting ads”?
Não se esqueçam, de passagem, de 
cancelar também as contas de Netflix, do Spotify e, de passagem, 
desligarem o “modo inteligente” da set-top box que o vosso ISP lá pôs em
 casa para verem TV de forma “personalizada”. Fazer compras na Amazon? 
Esqueçam lá isso. Cartões dos supermercados? Nem pensar! E quanto ao 
acesso WiFi grátis que uma conhecida rede de cinemas em Portugal irá 
disponibilizar aos seus clientes, é melhor pensar duas vezes no que 
significa “grátis”…
A única forma de evitarmos tudo isto é 
ficarmos “off grid” e irmos viver nas montanhas – mas sem rede celular, 
claro! Como isso não me parece muito prático, o melhor mesmo é ir usando
 bom senso, partilhar só o que faz sentido, usar os serviços “grátis” de
 forma regrada e, sempre que possível, optar por serviços equivalentes, 
mas pagos.
Porque, repitam depois de mim, “se não somos o cliente, somos o produto”. Sempre.
O que fazer para se proteger
Facebook. 
Não é preciso deixar o Facebook para usar a rede social de forma mais segura. Aponte o browser para https://www.facebook.com/safety/tools e altere as definições da sua conta.
Não é preciso deixar o Facebook para usar a rede social de forma mais segura. Aponte o browser para https://www.facebook.com/safety/tools e altere as definições da sua conta.
Evite usar a conta do Facebook para se registar noutros serviços – só irá facilitar a partilha dos dados com terceiros…
Google. 
Aproveite o balanço e faça o mesmo com o Google. Em https://privacy.google.com/take-control.html encontra ferramentas que lhe permitem limitar a forma como o Google recolhe e partilha a sua informação.
Aproveite o balanço e faça o mesmo com o Google. Em https://privacy.google.com/take-control.html encontra ferramentas que lhe permitem limitar a forma como o Google recolhe e partilha a sua informação.
Evite usar o motor de pesquisa Google 
quando está ligado como uma conta Gmail, uma vez que a pesquisa que 
realizou vai ficar associada à sua conta. O mesmo acontece com uma conta
 Outlook.com ou Live.com quando usa o Bing. Se é mesmo paranoico, passe a
 usar um motor de busca como o DuckDuckGo.com, que não recolhe dados 
pessoais.
Browsers. 
O seu browser possui uma opção chamada “Do Not Track” (https://en.wikipedia.org/wiki/Do_Not_Track). O mais provável é estar desligada. Ative-a de forma a limitar os dados partilhados pelo seu browser com os sites que visita. Veja como no Chrome (https://support.google.com/chrome/answer/2790761), Edge e IE (www.online-tech-tips.com/internet-explorer-tips/send-do-not-track-and-enable-tracking-protection-in-ie-11-edge) e Firefox (https://support.mozilla.org/pt-PT/kb/como-ativar-funcionalidade-nao-monitorizar-do-not-track).
O seu browser possui uma opção chamada “Do Not Track” (https://en.wikipedia.org/wiki/Do_Not_Track). O mais provável é estar desligada. Ative-a de forma a limitar os dados partilhados pelo seu browser com os sites que visita. Veja como no Chrome (https://support.google.com/chrome/answer/2790761), Edge e IE (www.online-tech-tips.com/internet-explorer-tips/send-do-not-track-and-enable-tracking-protection-in-ie-11-edge) e Firefox (https://support.mozilla.org/pt-PT/kb/como-ativar-funcionalidade-nao-monitorizar-do-not-track).
Os browsers têm também modos “seguros” 
de navegar. O problema é que estes modos (que, entre outras coisas, 
desligam os “cookies”) por vezes resultam numa experiência de navegação 
medíocre, porque estamos a negar aos sites informação básica que eles 
por vezes necessitam para personalizar a nossa experiência…
Email. 
Use contas de email “descartáveis” para se registar em sítios onde tem dúvidas sobre o destino dos seus dados pessoais. Crie uma conta alternativa no Google, Yahoo!, Outlook.com ou Mail.com (ou outro do seu agrado) e use-a para esse efeito.
Use contas de email “descartáveis” para se registar em sítios onde tem dúvidas sobre o destino dos seus dados pessoais. Crie uma conta alternativa no Google, Yahoo!, Outlook.com ou Mail.com (ou outro do seu agrado) e use-a para esse efeito.
Pague. 
Alguns serviços (e jogos) são do tipo “freemium” – ou seja, têm uma versão grátis (“free”) e outra premium. Mas se em muitos casos esta dicotomia se prende com as funcionalidades disponíveis em cada um dos modos, noutros a parte grátis é simplesmente paga com a exibição de publicidade – se não a quer ver, pague para aceder à versão premium.
Alguns serviços (e jogos) são do tipo “freemium” – ou seja, têm uma versão grátis (“free”) e outra premium. Mas se em muitos casos esta dicotomia se prende com as funcionalidades disponíveis em cada um dos modos, noutros a parte grátis é simplesmente paga com a exibição de publicidade – se não a quer ver, pague para aceder à versão premium.
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* Artigo publicado originalmente no Wintech 

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