Foto de Teknisk Kompetanse - Own work, CC BY-SA 4.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=102127201
Num mundo da mobilidade a mudar rapidamente, a nossa forma de olhar para os automóveis continua ainda agarrada ao que só faz sentido num mundo que está a acabar ainda mais depressa. Escrevi há pouco tempo sobre a minha experiência de comprar um veículo elétrico (EV) mas a verdade é que continuo a ser inundado quase diariamente com questões sobre a minha opção, e essas questões começam e acabam sempre no mesmo ponto: a autonomia.
Um estudo realizado em Portugal no final de 2021 indica que uma grande maioria dos consumidores só considera adquirir um EV quando a sua autonomia for da ordem dos 500 a 700 Km. Estes resultados demonstram não apenas uma tremenda ignorância dos consumidores face aos EVs (mas a culpa não é deles, é da falta de informação de qualidade que lhes é fornecida, até pelas próprias marcas) como uma grande ingenuidade.
Porquê ingenuidade? Bem, porque não podemos querer "o sol na eira e a chuva no nabal", para utilizarmos a conhecida metáfora agrícola... É que o mesmo estudo também indica que quase metade dos consumidores que até estão dispostos a comprar um EV, não pensam em gastar mais do que 25.000 euros. Ora sabendo nós que o tamanho da bateria de um EV é proporcional à sua autonomia, mas também ao seu preço... Pois.
Autonomia para quê?
A primeira coisa que um potencial comprador de um EV deve perguntar a si próprio é: quantos quilómetros, em média, faço por dia? Isto é um pensamento diametralmente oposto a querer um EV (e ainda por cima, barato!) que sirva para fazer Lisboa>Algarve>Lisboa com uma só carga... uma vez por ano.
A partir do momento em que "mudarmos a agulha" na forma com pensamos na autonomia, as coisas tornam-se mais simples. Cada um de nós tem o seu próprio cenário de utilização e à pergunta, que me colocam, "mas e então como é que fazes quando precisas de percorrer centenas de quilómetros de uma só vez?", existem, pelo menos, três respostas possíveis.
A primeira parece-me óbvia: "recarrego o carro a meio do caminho [ou várias vezes pelo caminho], tal como faria com um carro a combustão". Duh... Mas sobre isso falarei mais abaixo em maior detalhe.
Outra possibilidade: vou de transporte público, seja ele o autocarro, o comboio ou até o avião – em 2023, usar o avião (!) para ir de Lisboa ao Porto é mais barato do que utilizar um automóvel com motor a combustão.
Outra possibilidade: vou de transporte público, seja ele o autocarro, o comboio ou até o avião – em 2023, usar o avião (!) para ir de Lisboa ao Porto é mais barato do que utilizar um automóvel com motor a combustão.
E há ainda uma terceira resposta, talvez menos óbvia, mas igualmente possível: "utilizo o outro automóvel da família que ainda não é elétrico" ou, melhor ainda (e se tal não for possível), "com o dinheiro que entretanto poupei por não encher o depósito com os lucros da empresas petrolíferas... alugo um carro". E sim, esse carro de aluguer até pode ser... um EV com uma grande autonomia! :-)
No entanto, o principal ponto onde quero chegar é este: devemos olhar para a autonomia como algo a considerar (e é certo que é um fator importante) mas que não tem de ser um deal breaker.
Obviamente que haverá pessoas cujos cenários de utilização não permitem, neste momento, considerar a aquisição de um EV. Mas não é para elas que estou a escrever: estou a dirigir-me às que podem comprar um EV, só que ainda não perceberam que podem.
O que nos leva a algo que, sinceramente, me parece mais importante do que a autonomia:
A importância da velocidade de carregamento
A resposta à dúvida lançada no título é esta: a velocidade de carregamento de um EV é mais importante do que a sua autonomia. Vejamos dois cenários: um veículo elétrico da marca "A" tem uma autonomia de 400 Km mas um sistema de carregamento lento; por outro lado, um EV da marca "B" tem uma autonomia da ordem dos 200 Km, para pode ser carregado muito mais rapidamente. Qual seria a vossa escolha, sabendo ainda por cima que o custo de aquisição do veículo B é menor?
Eu sei qual seria a minha escolha (o veículo B). Só que isto leva-nos a outra pergunta recorrente: "Mas Oh António, e carregar fora de casa não fica muito caro? E a rede de carregamento funciona?" A resposta para ambas essas questões é a mesma: depende.
Carregar fora de casa fica mais caro do que em casa, obviamente, mas nos postos de carregamento lento (sobretudo uma parte substancial da rede pública KLC, que é a que faz a gestão dos postos públicos de primeira geração, inicialmente gratuitos e geridos diretamente pela Mobi.E) o preço não é muito superior.
Já os carregamentos rápidos, sobretudo os que são realizados em grandes eixos viários, nomeadamente autoestradas, são bastante mais caros. Daí ser importante procurar o posto que mais se adeque ao perfil de carregamento do nosso EV.
Um problema mais complicado, mas que o tempo se encarregará de resolver, prende-se com dois outros fatores, quanto a mim ainda mais importantes do que os carregadores em si: a sua instalação onde são efetivamente necessários e, uma vez ultrapassado esse ponto, a sua disponibilidade real. Ou seja, não basta que existam, é preciso que estejam a funcionar!
Interfaces de carregamento
O tal estudo a que me referi no início também fala de outro tópico interessante, que é o da percentagem de pessoas dispostas a comprarem um EV usado. Aqui, julgo que à medida que os consumidores perceberem que a longevidade das baterias não é algo com que se devam preocupar, esta será uma via cada vez mais interessante para ter um EV a um preço possível.
No entanto, e uma vez mais, devemos tanto olhar para a velocidade de carregamento como para a capacidade das baterias. O meu conselho é que, a menos que o EV a adquirir seja mesmo só e apenas para conduzir em cidade e o utilizador tenha forma de o deixar a carregar durante a noite (em casa ou na rua), deverá procurar um EV com capacidade de carregamento rápido por corrente contínua equipado com uma interface CCS (como a da foto deste post).
A interface de carregamento CCS foi adotada na Europa para carregamento rápido (até a Tesla equipa os seus modelos vendidos na Europa com CCS). No entanto, há modelos elétricos de primeira e segunda geração que utilizam para carregamento rápido uma interface designada CHAdeMO. Estamos a falar, sobretudo, de EVs Nissan Leaf e modelos mais antigos do grupo Hyundai/KIA.
Em si mesmo, não há nada de errado com estes veículos. O problema é que a nova geração de carregadores de alta velocidade tende a oferecer apenas interfaces CCS e, num futuro não muito distante, o mais certo é que essa oferta desapareça completamente – o que também terá um impacto negativo no valor de revenda dos EVs com carregamento rápido via CHAdeMO.
Comentários
Imagine um VE que tem 250km de autonomia e faz 150km por dia, e o local de carga em casa devido a limitações não permite passar dos 10km/h de carregamento durante 10 horas.
1 dia - sobra 100km carrega 100km
2 dia - sobra 50km, carrega 100km
3 dia - sobra 0km, carrega 100km e não consegue regressar a casa.
imagine um VE que tem 500km de autonomia e faz 150km por dia, e o local de carga em casa devido a limitações não permite passar dos 10km/h de carregamento durante 10 horas.
1 dia - sobra 350km, carrega 100km
2 dia - sobra 300km, carrega 100km
3 dia - sobra 250km, carrega 100km
4 dia - sobra 200km, carrega 100km
5 dia - sobra 150km, carrega 100km
Fim de semana
6 dia - sobra 100km, carrega 240km
7 dia - sobra 340km, carrega 160km
Ao 6 e 7 dia, fim de semana tem oportunidade de carregar a viatura durante 48h e adicionar 480km.
Alem de que no VE com autonomia de 500km, a bateria nunca vai ser colocada em stress por estar demasiado descarregada.
Ponderei viaturas com autonomia até aos 350km e ainda bem que não o fiz, e atenção que posso carregar em casa.
O meu VE actual tem 500km de autonomia, E-NIRO e ja algumas vezes tive de usar o CCS na rua, e não é nada barato comparado com os 0.11€/kW de casa, custa 3x mais carregar na rua mesmo usando o comparador de preços da MIIO.
Faço perto de 300km/dia em VE e em casa consigo carregar ao máximo de 47km/h (32 A ) em monofásico, com potencia máxima de 45A.
VE não é para todos, a rede continua com problemas, a descriminado do preço no fim do carregamento é inexistente.. uma palhaçada.
VE é para quem pode carregar em casa e com potencia suficiente...
Por isso é que o que escrevi que, MAIS importante do que a autonomia em si mesmo é a VELOCIDADE do carregamento. Duh... :-|
Certo... Mas é mais barato do que pagar mais do que 2€ por cada litro de combustível, ou não? ;-)
Isso, e reduzir a opção pelo EV ao custo. Mas esse será tema para outro artigo...
«Obviamente que haverá pessoas cujos cenários de utilização não permitem, neste momento, considerar a aquisição de um EV. Mas não é para elas que estou a escrever: estou a dirigir-me às que podem comprar um EV, só que ainda não perceberam que podem.»
Não têm de quê. ;-)