O facto de o Parlamento Europeu e os países da União Europeia
terem chegado a acordo para impor aos fabricantes de equipamentos eletrónicos
um “carregador comum” até ao final de 2024 é uma excelente notícia
para os consumidores mas também para o ambiente.
A racionalização e normalização da forma como estes
equipamentos são carregados (estamos a falar de dispositivos autónomos e, como
tal, equipados com baterias recarregáveis, desde smartphones e colunas
Bluetooth até computador portáteis) é potencialmente benéfica para toda a
gente, exceto para as empresas que geram lucros
chorudos através do licenciamento de interfaces proprietárias.
No entanto, a forma como a UE decidiu tornar pública esta
notícia levantou ao mesmo tempo algumas questões por parte dos utilizadores, como
tenho visto sob a forma de comentários à notícia (veja-se a thread do anúncio
do Parlamento Europeu no Facebook…), que se interrogam se o facto de irem
ficar subitamente com carregadores obsoletos não irá também criar, pelo menos
numa primeira fase, um problema de reciclagem
e de desperdício.
A resposta é sim… mas apenas em alguns casos. Porque o que o
PE e a UE fizeram não foi propriamente impor um novo “carregador” mas sim uma
nova interface de carregamento (USB-C), o que não é a mesma
coisa. Na prática, apenas os carregadores que tenham já um cabo integrado (isto
é, inamovível) de outro tipo, sendo o caso mais comum os cabos com terminação
microUSB, é que deixarão de poder ser usados.
Pelo contrário, qualquer carregador que possua, não um cabo
integrado mas uma porta USB (USB-A ou USB-C), poderá ser facilmente reutilizado,
uma vez que bastará para isso adquirir um cabo USB-C compatível. Estes
carregadores sem cabo podem, de resto, ser usados até com dispositivos não-USB,
como é o caso dos smartphones Apple, que utilizam a interface proprietária (e obsoleta) Lightning,
bastando para tal trocaram apenas o cabo usado.
A principal restrição prende-se com os carregadores menos
potentes face ao carregamento de dispositivos como computadores portáteis, uma
vez que aqui não bastará apenas encontrarmos a interface física correta, mas
também a potência necessária.
No entanto, o contrário é verdade: através do protocolo USB Power Delivery, um carregador
USB-C tem o potencial de oferecer voltagem até 48 volts e potência até 240 watts;
e estes carregadores de elevada potência e voltagem podem igualmente ser
usados para o carregamento de dispositivos USB-C com requisitos mais modestos.
Um último ponto, que ainda não foi abordado, é o do carregamento
sem fios. Esta iniciativa legislativa, que deverá ser em breve transformada
em diretiva que os países membros da União Europeia terão de integrar no seu
ordenamento jurídico, não é omissa no que diz respeito aos dispositivos
com carregamento sem fios. Pelo contrário, indica explicitamente que para
acompanhar as tecnologias mais recentes, a Comissão pode adaptar o âmbito de aplicação
da diretiva, nomeadamente no que se refere às soluções de carregamento sem fios.
No entanto, as soluções sem fios que temos tido até agora só
fazem sentido para alguns tipos de dispositivos e, mesmo nesse caso, na
esmagadora das vezes, esses equipamentos continuam a oferecer uma interface
física de carregamento como alternativa. Por outro lado, dispositivos que
carecem de mais potência, como é o caso dos computadores portáteis, irão sempre
necessitar de ligações físicas.
Não deveria ser necessário falar disto, mas como já
encontrei também dúvidas sobre o tema nas redes sociais, cá vai: qualquer
dispositivo que possua um sistema de alimentação que obrigue à sua ligação
direta à tomada (impressoras, monitores, computadores de secretária, etc.) está
obviamente fora do âmbito desta iniciativa.
Edit: o meu amigo Pedro Fonseca chamou-me a atenção para o facto de que até nos EUA já se considera seguir a UE neste tema.
Anúncio formal: https://www.europarl.europa.eu/news/pt/headlines/society/20220413STO27211/usb-c-sera-o-carregador-comum-da-ue-em-2024
Conferência de imprensa: https://multimedia.europarl.europa.eu/en/webstreaming/press-conference-by-alex-agius-saliba-rapporteur-on-outcome-of-trilogue-on-common-charger_20220607-1230-SPECIAL-PRESSER
Relatório/parecer da ECOS sobre o tema: https://ecostandard.org/wp-content/uploads/2021/12/ECOS-Common-charger-initiative.pdf
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