Windows Phone e o “app gap“

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O chamado app gap (o “fosso” representado pelas aplicações presentes nas plataformas iOS e Android mas não em quaisquer outras) é um tema recorrente sempre que se pretende demonstrar o quanto a Microsoft ainda tem de andar até estabelecer o Windows Phone como um sistema operativo móvel credível.

Acontece contudo que, pelo menos do meu ponto de vista, nem os argumentos de um lado nem do outro me convencem – ou sequer me parecem acertados. E explico porquê.

O aplication gap já não existe?

Joe Belfiore, responsável pela equipa do Windows Phone, produziu em novembro passado um tweet famoso em que afirmava que o app gap tinha chegado ao fim (nesse tweet, Belfiore falava que o “gap” estaria fechado até ao final de 2014 mas logo depois corrigiu – ele queria dizer 2013…).

A ideia é que praticamente todas as aplicações mais desejadas pelos utilizadores – com especial destaque para o Instagram – estavam, ou iriam estar muito brevemente, disponíveis até ao final de 2013.

Reconheço que não sou um bom exemplo, uma vez que utilizo um número reduzido de aplicações e o Instagram não é uma delas, mas gostaria de discordar. Primeiro, o Instagram é um péssimo exemplo a vários níveis: a) nunca ninguém disse, durante o período em que a aplicação esteve apenas disponível para iOS, que o Android não era uma plataforma viável por causa disso; b) 6Tag, uma aplicação de Instagram para Windows Phone que é melhor que a própria app oficial, estava disponível há imenso tempo; c) a app de Instagram oficial foi lançada em beta e incompleta – e assim continua vários meses depois do seu lançamento.

Além disso, como muitos já têm salientado, o Windows Phone não tem apenas um app gap; tem também um schedule gap: as principais apps, mesmo quando acabam por chegar à plataforma, chegam muito mais tarde.

O verdadeiro app gap…

Mas para mim, o problema nem sequer é esse. Se falarmos apenas das apps principais, Belfiore tem razão: há neste momento muito pouca coisa que não esteja já disponível para Windows Phone – ou que, não estando, esteja para chegar em breve. O próprio schedule gap tem-se reduzido substancialmente nos últimos meses. Sob todos estes pontos de vista (e alguns outros mais de que não irei falar agora), o Windows Phone é de facto a “terceira plataforma” móvel – e a ganhar massa crítica todos os dias.

Acontece que, para mim, o verdadeiro app gap não é o das aplicações principais. É o de todas as outras. A foto que ilustra este artigo foi tirada no início de janeiro de 2014 num terminal rodoviário. Mostra que o operador – a Rede Nacional de Expressos – tem uma app que os seus clientes podem usar para consultar horários, trajetos e realizar reservas. Disponibilidade? Apenas para Android – a versão para iOS (mas apenas essa) está prometida para breve.

Um exemplo completamente diferente e mais recente? A app RTP 5i, acabada de lançar com pompa e circunstância e igualmente disponível para os suspeitos do costume: Android e iOS. Promoções no seu restaurante preferido? Descarregue a app para iOS ou Android. Reservas na TAP? Visita guiada ao museu X ou Y? Há uma app para isso – mas não para Windows Phone…

Mais exemplos? Acabei de chegar da DISTREE, uma feira que se realiza todos os anos no Mónaco e que junta marcas e fabricantes à procura de canais de distribução na Europa. Nela se pode tomar contacto em primeira com dispositivos que só mais tarde chegarão ao mercado; muitos deles não sobreviverão a mais um ano, mas outros acabam por se tornar extremamente populares – a câmara de ação GoPro foi mostrada num destes eventos (onde ganhou um prémio “Fresh”) antes de se tornar no sucesso que se lhe conhece.

Ora o que têm em comum muitos dos produtos mostrados na DISTREE é o facto de serem “connected devices”, desde smartwatches até sondas que enviam as necessidades de nutrientes de uma planta para o smartphone para que possa ser regada e fertilizada nas doses e momentos certos. Claro que há mais uma coisa que estes dispositivos “ligados” têm em comum: praticamente todos eles funcionam com apps para Android e iOS… E só.

São estas (milhares de) pequenas apps que, não tendo a notoriedade de um Instagram, contribuem para um verdadeiro app gap e, pior do que isso, dão os utilizadores de Windows Phone a sensação de que o seu smartphone é uma espécie de “parente pobre” do mundo da conetividade móvel. O que de certa forma, e pelo menos por enquanto, é verdade.

 

O “efeito Word” e os power users

Podemos argumentar que, na prática, nada disto é muito relevante até porque as pessoas acabam por dar uma utilização “light” aos seus smartphones. Experimente perguntar aos seus familiares e amigos que aplicações usam nos seus smartphones e a resposta seré provavelmente a mesma: usam o browser para aceder à Internet, o email, o Facebook, eventualmente o Twitter também, e tiram fotos – muitas fotos. Alguns deles terão já também descoberto que o smartphone consegue substituir perfeitamente o GPS do automóvel e a maioria usa-o igualmente para ouvir música.

Com este perfil de utilização, um Nokia Lumia com Windows Phone satisfaz não apenas todos os requisitos da maioria dos utilizadores como nalguns casos até os satisfaz melhor do que a concorrência – o Here Drive+ é considerada a melhor app de navegação GPS do género (e é grátis) e o Nokia Mix Radio faz o mesmo pela música.

Contudo, dizer que “satisfaz a maioria” dos utilizadores é o mesmo que dizer que, numa base de milhões de consumidores, muitos e muitos milhares não irão encontrar o que possuem. É o que gosto de chamar “efeito Word”, a partir do processador de texto homónimo da Microsoft: ninguém usa todas as funcionalidades do Word; contudo, o facto de elas estarem lá, significa que o produto consegue abranger virtualmente a totalidade das necessidades de toda a gente.

De resto, não é por acaso que, após anos de produtos concorrentes que até são gratuitos, milhões de utilizadores em todo o mundo continuam a preferir pagar para ter todas as funcionalidades dos produtos que constituem o Microsoft Office.

Outro problema tem a ver com os chamados power users, os utillizadores intensivos da tecnologia. É entre estes grupo que encontramos os jornalistas, bloggers ou simples entusiastas que escrevem sobre plataformas móveis. Ao contrário dos utilizadores normais, estas são pessoas que exploram os seus dispositivos ao máximo e que procuram aplicações específicas para cenários de utilização muito particulares.

No final, são eles que irão escrever os artigos (ou simplesmente aconselhar familiares e amigos) que formam a opinião de milhões de utilizadores – incluindo os que procuram conselhos sobre qual o melhor smartphone a comprar. E já sabemos o que (não) irão aconselhar.

… e o app gap ao contrário

Para utilizadores como eu, que gostam de dispositivos simples de usar e que utilizam sobretudo o email, o Facebook, o Twitter, o GPS e o leitor de música (e a câmara) do smartphone, o Windows Phone é perfeito.

Aliás, há também um app gap ao contrário. As excelentes apps da Nokia são exclusivas da plataforma e a própria Microsoft possui aplicações que não estáo (ainda) disponíveis para terceiros – desde o Office ao Halo:Spartan Assault. Para quem (já) usa o Windows 8.x no computador, há também o bónus de que a interface do PC e do smartphone é semelhante e utiliza as mesmas convenções.

No entanto, o app gap de que falei anteriormente – a dos milhares de pequenas apps e não o da meia dúzia de apps mais mediáticas – não irá fechar-se tão depressa. Joe Belfiore tem razão em dizer que se irá fechar, mas errou na data. Não só não foi em 2013 como dificilmente será em 2014.

 

Quer isto dizer que o Windows Phone nunca estará no mesmo plano dos dois líderes do mercado? Não, penso que isso irá acontecer até mais cedo do que se pensa. A visão da Microsoft dos “três ecrãs e a nuvem” que durante algum tempo não se percebia muito bem como iriia ser concretizada, tem neste momento todas as peças em jogo e, durante 2014, tudo irá contribuir para uma tempestade perfeita, com as interfaces comuns da Xbox 360/Xbox One (ecrã TV), Windows 8.1 (ecrã computador) e Windows Phone 8/8.1 (ecrã dispositivo móvel) a convergir finalmente numa forma única e integrada de interagir com o hardware e as aplicações. E a recente nomeação de Satya Nadella para CEO da Microsoft, um homem até agora responsável pela divisão cloud da empresa, só pode ser uma coisa boa.

Ao contrário de muitos, não creio que a Microsoft tenha chegado demasiado tarde à corrida das plataformas móveis de nova geração. Mas ganhar a massa crítica suficiente para fechar o app gap ainda vai demorar algum tempo mais.

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