A minha mulher perguntou-me há uns tempos "se pudesses comprar agora um veículo elétrico qualquer, o que é compravas, independentemente do preço?" Dei-lhe várias opções mas, curiosamente, nenhuma delas era um Tesla. Ela achou estranho e, embora não seja estranho para mim, deixou-me a pensar: porque é que eu, de facto, não considero comprar um Tesla?
Ponderar essas razões fez-me chegar a algumas conclusões que eu próprio ainda não tinha interiorizado, e que me fazem (a menos que não houvesse mesmo outra alternativa, o que cada vez mais não é verdade) não querer adquirir um Tesla. Curiosamente, algumas delas poderão ser razões para quem lê estas linhas considerar fazê-lo! Como se costuma dizer, "ainda bem que não gostamos todos de amarelo".
A verdade é que, como veremos a seguir, muitas destas minhas razões são as mesmas pelas quais nunca me senti tentado a comprar produtos Apple: o seu (ex)CEO, o culto da marca, o minimalismo exacerbado... Mas vamos então às (minhas) razões, sem que a ordem tenha necessariamente a ver com a sua importância:
1. O CEO da Tesla. Elon Musk, o CEO da Tesla (mas não o seu fundador) é uma pessoa que me tira do sério. Em circunstâncias normais (e se ele fosse um CEO normal), era para o lado que dormia melhor. O pior é que Musk se tornou sinónimo da marca. Há quem goste da sua postura messiânica; pessoalmente, olho para ele como um bilionário sociopata da pior espécie.
O resultado desta ligação íntima de Musk à Tesla é que contamina (uma vez mais: para mim) a Tesla enquanto marca, sobretudo quando o seu líder se limita a ignorar (e, como tal, a não resolver) problemas gravíssimos que nem sequer têm a ver diretamente com os veículos. O culto da personalidade de milhões de fãs do homem em todo o mundo só piora as coisas. O que me leva à segunda razão:
2. O culto da Tesla. Tenho vários amigos com Teslas (Modelo 3) e todos eles são umas joias de pessoas (se não fossem, não eram meus amigos!). Contudo, existe uma percentagem suficientemente grande de proprietários de Teslas (ou fãs da marca que têm como ambição tornar-se proprietários) com uma atitude muito pouco saudável. Pessoas que, quando confrontadas com problemas reais com os seus veículos (ou os de terceiros), em vez de assumirem esses problemas, ignoram-nos e, no limite, até atiram com as culpas para cima dos próprios proprietários... Exagero? É só nos EUA? Peçam para aderir ao Tesla Club de Portugal no Facebook e vejam como são tratadas as pessoas que falam de problemas nos seus carros.
E não, não sou o primeiro a reparar. Antes fosse... Ora eu, que não sou uma pessoa religiosa, tenho zero interesse em fazer parte de um culto – seja ele de que marca for.
3. A obsessão pelo minimalismo. Em termos de design, eu gosto do minimalismo. Por exemplo, adoro relógios e sou fã da escola de design Bauhaus. Mas esta escola de design não sacrifica a função à forma, pelo contrário. E a Tesla (como a Apple) leva a obsessão com o minimalismo ao ponto de sacrificar a funcionalidade. O que, no caso de um relógio é irrelevante, mas num computador já é muito relevante e num automóvel pode até mesmo ser perigoso.
A recente introdução de uma manche no lugar de um volante em certos modelos da marca é bem o resultado desta forma de pensar: até pode ser cool, mas não é certamente melhor e, no limite, pode ser contraproducente. Mais exemplos? As pegas das portas. Uma vez mais: são cool, mas o acontece quando está... demasiado cool? ;-)
4. O design exterior. Há quem adore o desenho dos Teslas em geral, e de alguns modelos em particular. Pessoalmente, não sou fã. Reconheço que têm alguns ângulos bons, especialmente quando vistos por trás, mas a parte da frente é, para mim, bastante... meh.
Note-se que eu reconheço que a aerodinâmica é muito importante na eficiência e, por conseguinte, na autonomia de um veículo elétrico. Mas, para mim, prefiro algo com um melhor equilíbrio estético. Caso contrário, andávamos todos os babar-nos com o Aptera (e não me parece que andemos...); mais: é possível fazer parecido com a Tesla, só que melhor: veja-se o caso do Nio ET5 quando comparado com o Model 3.
5. A qualidade de construção. Já se gastaram rios de tinta a escrever sobre os problemas de construção dos Tesla, não só em termos de "fit and finish" dos painéis exteriores, como da qualidade e montagem dos materiais do interior. Já andei e conduzi um Model 3 e o que senti foi que o minimalismo do habitáculo esconde lacunas em termos da qualidade dos materiais e do feel geral de qualidade do veículo.
Explicando melhor: não é assim tão mau, mas não é suficientemente bom para um veículo cujo preço começa nos 50.000 euros. E se eventuais problemas com deficiência de montagem podem ser facilmente resolvidos em Portugal, onde a assistência técnica da Tesla, tanto quanto os meus amigos me dizem, é bastante melhor do que nos EUA, a qualidade dos materiais não é propriamente solúvel com uma visita à oficina.
6. Autonomia e carregamento. Esta pode parecer uma razão estranha para não comprar um Tesla. Mas eu explico. É verdade que os Tesla têm (quando comparados com quase todos os seus concorrentes) uma grande autonomia; e é também verdade que a sua rede de carregamento própria é excelente e fiável.
No entanto, há duas coisas que é preciso abordarmos. A primeira é que já não é assim tão difícil encontrarmos (por preços semelhantes ou até inferiores aos Tesla) veículos com grandes autonomias... e por grandes, eu diria autonomias reais iguais ou superiores a 350 Km. E, no que diz respeito à rede de Superchargers, é bom lembrar que estamos em Portugal, onde à data em que escrevo este artigo há exatamente oito Superchargers. Oito. Não são 18 nem 80. Oito. E sim, estão em pontos estratégicos mas... são OITO [em rigor, não são 8 carregadores, mas sim oito locais com vários carregadores].
Paralelamente, a rede pública continua a crescer e, melhor ainda, a Tesla já anunciou que irá permitir a veículos de outras marcas que utilizem os seus carregadores. Pelo que lá se vai o argumento de compra baseado na vantagem do acesso exclusivo a uma rede de carregamento que é, demonstravelmente, superior a tudo o que existe.
Explicadas as razões, gostava de deixar claro uma coisa: eu acho que a Tesla foi (e é) importantíssima no processo de transição para a mobilidade elétrica. Se não fosse a marca, essa transição continuaria a acontecer... mas muito mais tarde. Se só agora é que os construtores tradicionais estão a acordar para o tema, imagine-se o que aconteceria sem a pressão do sucesso da marca.
Obviamente que tenho noção que, mais importante do que trocarmos todos os carros com motores a combustão por modelos com motores elétricos, é termos menos carros, andar mais de transportes públicos, a pé e de bicicleta. Mas, uma coisa não invalida a outra: se podermos andar mais a pé, de bicicleta e termos mais e melhores transportes públicos e que os automóveis que ainda restarem sejam elétricos, ainda melhor!
Mas uma coisa sei: se a Tesla continuar a ser o que é hoje, não será na marca que irei encontrar o meu próximo EV.
Leia este artigo sobre o reverso da medalha e encontrar boas razões para comprar um Tesla.
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